domingo, 13 de novembro de 2011

A Culpa nossa de cada dia

Crime e Castigo foi escrito em 1866 por Fiódor Dostoievski, portanto, no século XIX. É impressionante a inteligência e capacidade de análise psicológica de um escritor ao escrever sobre um tema universal, a culpa, há mais de 100 anos atrás. Nessa obra, Dostoievski situa o homem na fronteira entre a racionalização que justifica o crime e a consciência que produz a culpa.
Raskólnikov é o personagem central da história. Estudante pobre, mora sozinho na cidade russa de São Petersburgo, onde iniciou o curso de Direito. Porém por falta de recursos financeiros e problemas pessoais, ele acaba abandonando a universidade. Dono de uma mente febril (como todos os personagens de Dostoievski), sozinho, morando numa espécie de buraco, paupérrimo, com dificuldades para sobreviver na cidade grande, ele resolve matar uma velha usurária, para salvar a si próprio e a sua família.
Entretanto, na medida em que nos aprofundamos na mente de Raskólnikov, percebemos que os motivos pelos quais ele cometeu o assassinato vão muito além da busca por sobrevivência, já que ele rouba apenas algumas jóias, que abandona depois. O personagem comete um homicídio por razões que acredita serem "justas". Segundo ele, se Napoleão Bonaparte e tantos outros, como ele cita num artigo acadêmico cometeram inúmeros assassinatos contra pessoas inocentes, e são aclamados como heróis por diversas nações, (até hoje), porque ele deve ser considerado um assassino? Ele que cometeu apenas um assassinato contra uma velhinha usurária?
Raskólnikov pretendia ultrapassar as barreiras morais da sociedade. Pretendia se libertar de estado de direito que identifica o que é certo e o que é errado, e, não obstante, até da lei de Deus, que está acima dos homens. Liberto de todos esses paradigmas, seria um homem livre.Entretanto, ele não consegue se safar da culpa e passa a ser atormentado pela sua consciência. E a partir daqui se confere toda a magnitude dessa obra da psicanálise que mostra toda a fraqueza do ser humano e a dificuldade de saltarmos as barreiras dentro das quais nascemos e nos adaptamos.
Culpado pelo ato do crime, o estudante passa as noites e os dias num estado de inconsciência, arrependido pelo que fez. Torturado, com os nervos em frangalhos, tem delírios até quando está acordado, vive febril, sente tonturas e anda pelas ruas como um sonâmbulo. E o mais interessante é que durante a leitura do livro, adentramos no cenário daquela São Petersburgo de 1866 e nos sentimos oprimidos, tensos, sofremos junto com o personagem e ficamos com aquela sensação de que algo foi perdido, quebrado para sempre. É como se vivêssemos a angústia de um pesadelo que não termina nunca.
As dúvidas devoram Raskólnikov, seu duelo de conversas com o comissário de polícia destrói-lhe os nervos, apesar da sua inteligência aguçada e sua capacidade em conseguir driblar as investigações durante todo o processo. Por fim, acaba confessando o crime a uma prostituta que lhe mostra o caminho do arrependimento e do Evangelho. E então ele percorre o calvário que o conduz ao arrependimento.
Dostoievski traça uma linha tênue entre a nossa consciência e a existência de Deus. Mas, ''e se Deus não existisse''?Sugere o nosso sábio escritor russo. Sartre também trataria disso em sua obra O Existencialismo é um Humanismo. “Se Deus não existe, tudo é permitido”, afirmou Jean Paul Sartre. E se tudo é permitido, nada pode ser considerado errado e se nada é errado, a culpa deixaria de existir. No caso do romance, a culpa levou à redenção, através da busca de Deus. Confesso que o final me surpreendeu. Todo o desenrolar da obra leva a crer que Raskólnikov se suicidará, ou que acabará enlouquecendo. O fim nos sugere um caminho, uma luz, ou Dostoievski, por piedade, quer apenas poupar a todos nós?