domingo, 17 de julho de 2011

Emma Bovary

Por: André Zagreu.                   

“A chave girou na fechadura e Emma foi direto a terceira prateleira, tal a justeza com que a memória a guiava, pegou no frasco azul, destapou-o, meteu-lhe dentro a mão, tirou um punhado de pó branco e pôs-se imediatamente a comê-lo. Depois, voltou-se, subitamente tranquila e quase com a serenidade de um dever cumprido.”
Essa é a cena onde a personagem, Emma Bovary, do escritor francês Gustave Flaubert, ingere o arsênico que lhe tiraria a vida. A tão famigerada Madame Bovary, após comprovar que a vida não é feita de sonhos realizados, e que tudo o que ela esperava do amor não se comprovou, resolveu que o suicídio seria o melhor fim para todas as suas dores e angústias.
Ema é a personificação de uma época, ou melhor, de um idealismo poético que disseminou-se por todo um século, onde o amor era visto como algo belo a ser conquistado;,e uma vez em posse deste amor, a felicidade e a realização seriam a razão da existência humana.
Após o fim do romantismo, esse sentimento bovariano perdura como um acessório a moda antiga, que ainda insistimos em usar. Mudam-se os tempos, e o homem é sempre o mesmo. Se olharmos em volta, neste nosso belo século XXI, perceberemos que todos, sem exceções, buscam o mesmo que Ema buscava: a realização de uma vida “romântica”, em que o amor seria o integro baluarte. E por incrível que pareça, todos sem exceções, descobrem o mesmo que a personagem, que o amor, e a realização no amor, são uma grande utopia.
Só o que mudou, o que nos diferencia de personagens como Emma, é que nossa solução para o problema é menos trágica, e menos bela por sinal. Já não recorremos ao arsénico para espalhar aos quatro cantos de nosso bairro, que a odisseia romântica é feita de frustrações e no fundo é inútil. Sonhamos os mesmos sonhos, Madame Bovary somos nós. Qualquer um que tenha vivido um relacionamento amoroso, sabe que nada se concretiza de acordo com nossos anseios. O amor hoje em dia é algo pesado, uma espécie de obrigação, páginas em branco, só isso.
Sentimos-nos como Emma, e para solucionar nossa angústia, procuramos aventuras e distrações em relacionamentos pobres e frios. Nos acostumamos a isso, tanto que continuamos “vivendo” após nossas infinitas desilusões. Preferimos viver uma vida mecânica e cinza, a nos deitarmos ao lado de Emma, na doce relva do dever cumprido.

O Som e a Fúria

Por: André Zagreu

Quando comprei o livro O Som e a Fúria de William Faulkner, confesso que fiquei um tanto incrédulo quanto aos inúmeros elogios a ele dedicados. Imaginava que me depararia com um daqueles romances da geração perdida, com suas linguagens simples e diretas, e digamos um tanto quanto vazios de conteúdo. Quem gosta de Hemingway pode me insultar, mas não há nada nele; mas concordo que O Grande Gatsby do Fitsgerard é um livro a se reler. Indico Babbitt do Lewis, este sim vale a leitura.
Mas continuando no Faulkner, o livro é originalmente brilhante. Se ouso dizer isso é porque em nenhum outro livro encontrei a mesma construção fragmentada do enredo e a mesma alegoria de multinarrativas. Toda e estória do livro precisa ser descoberta pela leitura atenta e perscrutadora. O primeiro capítulo, narrado pelo doente mental Benjamin, é uma espécie de súmula dos fatos, alem de ser nada menos do que fantástico acompanhar a narrativa de um ponto de vista muito além da racionalidade a qual estamos acostumados.
Todos os personagens tem seu direito a voz. Eles narram a trajetória de uma família norte americana na primeira metade do século XX, sua ruína, e a ruína de seus integrantes, que são tragados pela força de um auto destinar-se.
Um fato interessantíssimo da obra, é que Faulkner a escreve no momento em que decide ignorar o gosto do público e utilizar sua plena liberdade criativa. Inspira-se em Joyce e Proust para criar uma das melhores obras norte americanas, a ponto de sob intensa leitura, ser reconhecido como um dos grandes escritores do século XX.
Para quem considera a literatura algo maior do que estórinhas de amor e de aventura, esse livro é de leitura obrigatória. Leia-o!