domingo, 27 de fevereiro de 2011

A leveza e o peso


A Insustentável Leveza do Ser é um dos meus livros preferidos. A obra foi escrita por Milan Kundera e publicada em 1984. Como pano de fundo dessa história que se passa em 1968, temos a cidade de Praga, capital da Tchecoslováquia, na época em que ocorre a invasão russa e é permeada pelo clima de tensão política frente a guerra que aproxima (Primavera de Praga). Nessa obra prima, que aliou literatura a filosofia, aparecem conceitos de Nietzsche, Parmênides, Sartre e o mais maravilhoso, o próprio escritor entra na história num processo de metalinguagem.
      Kundera narra os amores e os desamores de quatro pessoas: Tomás, Teresa, Sabina e Franz. Teresa é uma moça simples, do interior, enquanto Tomas é um rapaz rico, médico renomado e muito bonito. Os protagonistas se conhecem num bar onde Teresa trabalhava, numa cidade do interior. Após alguns dias, ela faz as malas e procura Tomas na cidade grande (Praga). Tomas fica com pena da moça e não consegue mandá-la embora, pois ela é uma criatura frágil e desprotegida, ele se sente responsável por ela, é como se tivessem abandonado um bebe na sua porta, aos seus cuidados.
  A partir daí os dois passarão a viver juntos. Entretanto, existe Sabina, mulher com quem Tomas mantêm uma relação amorosa de liberdade longe dos padrões pré-estabelecidos. Esta mulher é como se fosse a versão feminina do personagem. Tomas e Sabina são metáforas da leveza do ser, o ser jogado dentro de uma perspectiva existencialista sartreana, são seres condenados à liberdade de escolher.
Tomas possui outras amantes, mas compreende que todas suas buscas é um retorno ao mesmo, um retorno a Tereza. Tereza, por sua vez, tenta se encaixar numa ordem, mas percebe o peso de se manter sobre os grilhões de suas ideias. Franz parece-se com Tereza, busca se situar em algo, mas a casualidade rompe com os seus planejamentos e caminhos retos.

A relação peso/leveza de Parmênides
Portanto, o gênero romance é apenas a âncora para Kundera por em questão a filosofia pré-socrática de Parmênides que criou a teoria da relação peso/leveza. Segundo o filósofo, a problemática estava na dualidade do Ser, e que essa dualidade surge da presença e da ausência de entidades. Por exemplo, o frio é apenas a ausência de calor, as trevas são a ausência de luz, então, embora estejamos acostumados com o novo pensamento lógico da vida, para este filósofo a relação leveza/peso afirma o peso como ausência, como não-leveza.
Tomas é um personagem que se recusa a carregar o peso da vida, vivendo sem nenhum compromisso, sejam de ordem política, nas relações amorosas, enfim, o personagem escolhe ser “leve”, ou seja, livre.

Nietzsche e o mito do eterno retorno
 O mito do Eterno Retorno é um conceito desenvolvido pelo filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900). Foi durante um passeio em 1881 que Nietzsche refletiu sobre os sentidos das vivências em alternâncias que se “repetem” (A Gaia Ciência).
De acordo com Nietzsche, as alternâncias de prazer e desprazer, a dor e o deleite, a alegria e o sofrimento se repetem durante a vida. O Eterno Retorno não se reporta a uma demarcação temporal cíclica e exata, mas às nossas vivências durante a vida. No Eterno Retorno, não há temporalidade. E essa vida, da forma como vivemos, se repetirá pela eternidade.
E aqui Nietzsche revela um pensamento que para alguns pode ser assustador, “Se tudo retorna – o prazer e o desprazer– queremos mesmo viver à eternidade onde nada de novo irá acontecer além de vivências com nuances variadas de uma mesma realidade?”
Talves Milan Kundera tenha tentado demonstrar isso. Se tudo é uma repetição, nossas vidas se tornam muito mais comuns e sem grandes significados. Tomas e Teresa são apenas mais um casal, como tantos outros. Até mesmo a forma como os dois morrem nos mostra que somos seres comuns, que podemos morrer a qualquer instante e de uma forma bastante banal. E se a vida se repete eternamente, nossa existência poderá ser leve, de uma leveza quase insustentável.


2 comentários:

  1. Gostei da análise! Mas acabei de ler o livro e não ficou claro pra mim a forma como a Teresa morre... Você poderia me esclarecer essa questão? Abraços.

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  2. Gostei da análise! Mas acabei de ler o livro e não ficou claro pra mim a forma como a Teresa morre... Você poderia me esclarecer essa questão? Abraços.

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